A neuroplaticidade e estado de FLOW se apresentam intimamente ligados para a recuperação de lesões no cérebro ou que envolvam o nosso sistema nervoso.

A poucos anos sofri um acidente de moto, tendo uma fratura exposta na canela esquerda e ficando cerca de 1 mês no hospital e mais 4 meses de cama. Perdi grande parte da sensibilidade da perna e do pé, não conseguia distinguir pressão e quase todos os estímulos sensoriais na perna, só tinha dores e incômodos. Interessante que nesse processo pude pessoalmente entender a diferença entre uma lesão física e uma falha na função cognitiva. Por conta da minha perna estar em condições alteradas por conta da lesão, provavelmente perdi terminações nervosas e elas voltaram a funcionar de outra forma, exemplo: Minha sensibilidade nos dedos do pé e pressão são parecidos com os da perna direita é como se fossem 2 pernas direitas porém eu sei a localidade do estímulo, entretanto é a sensação parecida com alguns pequenos espasmos como choques  se parecendo a uma comunicação de rádio com ruido de fundo.

Outro exemplo interessante é meu pé esquerdo “ouvindo a conversa” entre minha mente e o pé direito.

Acontece em geral da seguinte forma: Quando estou descalço, com os pés no tapete e primeiro coloco o pé esquerdo no piso sem tapete a sensação que tenho vinda do pé esquerdo é como a conversa: – Guilherme está diferente este lugar que estou agora. Me fala meu pé. Então coloco o pé direito e tenho a conversa: – Guilherme este chão está frio e posso te comparar qual temperatura mais fria que o tapete este chão se encontra. No mesmo momento o pé esquerdo começa a me enviar a mesma informação como se ele também tivesse aferido a mesma sensação relatada pelo pé direito.

Tive várias fases no meu tratamento e todas envolvendo a neuroplasticidade e que ainda está presente como no ultimo exemplo que relatei acima. Após o momento inicial da lesão ficou muito claro que a recuperação de movimento, funcionalidade e até a recuperação física estavam intimamente relacionados a neuroplaticidade e ao estado do FLOW, em relação aos meus objetivos durante o tratamento e após o tratamento.

A experiência me levou a estudar nestes últimos anos o assunto com uma outra visão, por várias vezes esbarro em casos próximos e penso: Sei exatamente o que ele está querendo dizer.

Veja esse caso abaixo, essa matéria é bem interessante e esclarecedora sobre a relação da Neuroplasticidade e FLOW.

Um ano após grave lesão, Owen volta com título na Gold Coast e vira nº 1

Publicada em 19/03/2017

Australiano perdeu toda temporada de 2016 para tratar grave concussão no cérebro, sofrida nos treinos para o Pipe Masters 2015.

Há um ano, Owen Wright era um tabu nos bastidores do esporte. Não sabia ao certo se ele havia sofrido sequelas no cérebro ou mesmo se conseguiria voltar a praticar o esporte. O australiano apareceu de surpresa em Snapper Rocks para torcer pela irmã, Tyler Wright, contrariando as recomendações dos médicos, que pediram repouso absoluto. A atual campeã mundial mal podia acreditar na presença de Owen e não segurou as lágrimas. Quando falava sobre o irmão, tinha de respirar fundo e se segurar, mas usou o drama vivido pela família como combustível para conquistar o título mundial. O abraço emocionado voltou a se repetir, em um momento distinto.

 

Roteiro de cinema para coroar uma das histórias mais emocionantes do surfe mundial. Depois de quase perder a vida em uma vaca nos treinos para o Pipeline Masters de 2015, no Havaí, e ser diagnosticado com uma grave concussão na cabeça, Owen Wright retornou à elite com o título na etapa de abertura, na Gold Coast australiana. O australiano passou pelos momentos mais difíceis em um delicado processo de recuperação. Alguns cogitaram que ele jamais voltaria a surfar. Mas o atleta que atingiu a pontuação máxima nas ondas pesadas e tubulares de Fiji em duas baterias na temporada de sua lesão não desistiu, reaprendeu a surfar, tornou-se pai e veio renovado para o Circuito Mundial. Após desbancar Gabriel Medina na semifinal, Owen venceu uma final de reviravoltas contra o melhor amigo Matt Wilkinson, que defendia o título na etapa.

– Isto é muito surreal. Estou amarradão. E ter enfrentado o Wilko na final aqui foi inacreditável. O Wilko me apoiou muito durante a lesçai e esteve ao meu lado em cada degrau que tive de subir até chegar até aqui – disse Owen Wright, com os olhos marejados no palanque do campeonato.

Fonte: http://novamais.com/noticias/26858/um-ano-apos-grave-lesao-owen-volta-com-titulo-na-gold-coast-e-vira-n-1

 

 

Abaixo algumas noticias que Owen Wright publicou em seu instagram quando estava retornando ao mar na época da recuperação do seu acidente:

Publicado em 23/03/16

“Eu fui para a minha primeira sessão de surfe há alguns dias”, escreveu. “Foi a coisa mais divertida do mundo. “Engraçado é que… não me conseguia colocar de pé. As ondas estavam pelo joelho e o drop foi… bem, não havia nada, mas senti-me como se estivesse dropando 10 pés em Teahupoo. Eu terminei a onda e eu estava tão feliz que eu soltei um assovio, comemorei e bati nas mãos de Kita (namorada do atleta)”.

Cinco minutos depois estava na praia pensando naquilo que realmente tinha feito e comparei com aquilo que habitualmente fazia ou o que todos conseguem fazer. Comecei a questionar por que não conseguia. Isso começou a arruinar a minha experiência e mudou a forma como me estava sentindo”.

“Isso fez-me perceber que a evolução pessoal é necessária, mas que estar focado em comparar o que costumava fazer, o que os outros conseguem fazer ou o quão bom é, é negativo para o presente. Emoção negativa dificulta a evolução e a felicidade. É simples… basta praticar cada vez mais”, terminou.

Fonte: http://waves.terra.com.br/waves/competicao/ct/retorno-emocionante

Vejam como ele indica a Neuroplasticidade e Flow como partes do processo.

Abaixo trechos da entrevista na folha de são paulo data 11/05/17 se refere à março de 2016 data da foto e postagem acima, sobre o seu retorno ao surf após o acidente.

No momento após o acidente Owen tinha dificuldade em formar frases e foi levado ao hospital, onde foi diagnosticado com hemorragia cerebral, ele começou a sentir dificuldade em alguns movimentos.

Após meses de fisioterapia, Owen voltou ao mar com uma prancha e percebeu que tinha desaprendido a surfar.

“Eu não conseguia ficar em pé na prancha, então apenas fiquei lá sobre ela no mar, tentando pegar ondas em uma profundidade da altura do meu joelho.

Ao mesmo tempo que doi ótimo, porque eu estava voltando a surfar foi um pouco estranho, porque eu havia competido no Circuito Mundial no ano anterior”. diz Owen.

Sobre o a primeira etapa do ano de 2017 em que ele foi campeão:

“Não esperava. Eu só estava tentando entrar em ondas e chegar ao fim delas. Eu só queria entrar no mar. Foi arrebatador. Tanto que fiquei: Uau, o que acabou de acontecer? me levou alguns dias para digerir de verdade”.

Sobre quais suas pretensões no campeonato:

“Só quero entrar no mar e surfar. Meu foco é diferente do que tem o John, Medina e Jordy neste ano. A ideia é focar na minha saúde e ter certeza que estou bem fisicamente e mentalmente.”

A motivação de Owen não é somente a vontade de superação. Ele diz ter encontrado em seu filho Vali que nasceu em dezembro, “o sentido de tudo”.

“Vali foi uma mudança enorme na minha vida. O acidente me deu mais perspectiva, valores diferentes. A competição aparece como uma coisa menos importante. Aliás, eu tenho agora uma força a mais para competir, que é justamente saber que competir não é um propósito em si. Estou bem, tenho uma família e é isso que é importante no final do dia.”

Vamos analisar alguns pontos da fala acima de Owen, em que o FLOW está ajudando a neuroplasticidade.

“No momento após o acidente Owen tinha dificuldade em formar frases e movimentos”

Nesse trecho é claro que o acidente interrompeu atividades cognitivas e motoras e que ele teve que ficar meses de fisioterapia para iniciar a Neuroplasticidade.

“Foi a coisa mais divertida do mundo. “Engraçado é que… não me conseguia colocar de pé.”

Agora entrou o FLOW como parte do tratamento e desenvolvimento da neuroplasticidade. O Surf não era apenas uma atividade que realizada em alto nível tinha uma relação com sua felicidade e disparos para ela. O que ele acha engraçado é estar feliz mesmo com toda a dificuldade e nesse momento ele não era o profissional, apenas alguém tentando surfar e se divertindo com o processo.

“Comecei a questionar por que não conseguia. Isso começou a arruinar a minha experiência e mudou a forma como me estava sentindo”.

Nesse momento após o momento do FLOW ele inicia uma análise consciente sobre o seu estado atual, seja cognitivo e físico sobre o seu papel social. Afinal ele não poderia se sentir apenas feliz em estar no mar e surfar, ele era um profissional do esporte com metas e resultados a realizar.

“Isso fez-me perceber que a evolução pessoal é necessária, mas que estar focado em comparar o que costumava fazer, o que os outros conseguem fazer ou o quão bom é, é negativo para o presente. Emoção negativa dificulta a evolução e a felicidade. É simples… basta praticar cada vez mais”

Agora ele tem o entendimento necessário que o FLOW está ligado a sua neuroplasticidade, o quanto mais ele conseguir se concentrar em momentos únicos de felicidade e flow, maior e mais rápido será o seu desenvolvimento.

“Só quero entrar no mar e surfar”.

Aqui entra a sua chave para disparo do FLOW, apenas realizar o que irá dar prazer para ele, esse é o seu principal objetivo para realizar o que faz: Surfar.

“Saber que competir não é um propósito em si”.

Ele entende que a pressão sobre resultados e desempenho é inimiga da sua evolução e neuroplasticidade, inclusive não é o seu principal ingrediente para disparo do FLOW. Então ele cria uma nova relação com a competição e colhe os frutos: Vencer uma etapa em que tinha todos os aspectos contrários a realizar.

Finalizando podemos concluir com o caso dele que mesmo a neuroplasticidade sendo uma habilidade natural do nosso organismo ela pode e deve ser potencializada pelo FLOW. Proponho um pensamento que convenciono para pensar em neuroplasticidade. conforme encontrei  indicações no livro do Norman Doidge: O cérebro que cura.

A neuroplasticidade não é propriamente um “conserto” que nosso organismo realiza depois de uma quebra, dificuldade, idade. Ela é uma ferramenta para o desenvolvimento e evolução. Penso que ela combina e sincroniza com o FLOW porque a natureza do universo privilegia os caminhos criativos e novos para a resolução de problemas e não voltar aos caminhos e recursos originais.